4 de março de 2011

Margens

                                                                                                                                                               (Monólogo Harpa, Cena nº 10)   


        Preciso dizer-te, calmamente, o que já disse a mim várias vezes.
E te peço, amor, não me interrompa... O dizer pede muita calma, mas causa-me palpitação primaveril...
Então deixa que te fale tudo de uma única vez... Se eu chorar tome minhas lágrimas como quem toma a uma semente ainda buscando a terra para aconchegar-se.
        “Tenho medo da tua morte -a morte física do teu corpo-. Tua vida, inspira em mim, uma coragem abstrata que me rouba os sentidos noturnos".
     Nossa como delicio-me com os sons e os efeitos que essas palavras produzem em mim, quando digo que: "você me rouba os sentidos noturnos!" Neste momento, sinto que você sabe conduzir-me a uma entrega íntima, e, neste íntimo deixa espaços reservados as surpresas que o silêncio conduz!  
       "Amor, é no silenciar da noite, que vejo a aurora boreal que teu encantamento produz! Amo ficar passeando, pausadamente, pelas margens dos teus olhos... E é lá mesmo que desejo permanecer... Enquanto estou nessas margens caminho envolta e sutilmente apareço por dentro de ti...".

  As margens dos teus olhos... Não são tão rasas que não possas sempre me tocar, e, não são tão fundas a ponto de impedir o meu banho matinal repleto de procuras... 
      "É lá nestas margens que petalo minha vida, dando-me suave existência... E te colho por dias incontáveis e por horas que o relógio não se atreve a marcar. Para que, então, mudar o curso dessa gota de orvalho, que milagra o meu nascimento em você?".

  Na pétala vejo-me, nos teus dedos colho-me, nos dias renovo-me, no orvalho banho-me e no milagrar renasço, eternizo-me como música suave que embala o sono e acaricia o acordar!  
     "Se, por acaso, algum dia, você me perguntar se, ‘não desejo entrar para morar de uma vez todas, em teus olhos de jabuticada, que floresce para mim para além de primaveras e verões?’ Eu te direi firme e maliciosamente que ‘não!’... Entrar nos teus olhos, nativos da mata, não desejo nem por instante, posto que essa entrada me tiraria a condição de perceber-me presente!"  

   Teus olhos de jabuticada... Tão intensos e tão suaves... As margens fornecem-me uma sombra e uma brisa que busca-me distante e retira-me de silêncios vazios.  

   "E ao dizer-te 'não', também não teria o receio de perder-te. Eu não te perderia porque o mergulho fica nas margens lá onde teus cílios me prendem... Alí sempre estou e, por isto, sempre me vês!"

  Eu desejo mesmo é entrar em teu desejo para descobrir o tamanho do horizonte, em forma de cama, que tens reservado para nós!

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