8 de junho de 2011

Meio e Meia

(Monológo Harpa, Cena nº 28)

Eram 4 horas da madrugada. Eu sentia meu corpo dormir leve...

Em meio às cobertas senti você chegando devagar e tomando conta de meu corpo com cuidado e por inteiro.

Percebi que era um sonho, mas me recusei a continuar percebendo. Era melhor deixar o sonho fluir no sono que me tomava.

Eu fui sentindo o sonho ser verdade. Uma verdade nua, linda, transparente, convidativa... Então, por um momento, dei pausa ao sonho e pedi ao sono que não se atrevesse a me acordar.

Eu não precisava acordar, precisa era continuar fora de mim, dentro de ti e para além de nós. Nós somos uma estranha força que nos empurra para o sonho quando a realidade não quer mais nos aproximar!

De repente, vi, nitidamente, minhas mãos retirando cada peça de minhas roupas... Eram minhas mãos ou eram tuas mãos? Nem sei! Elas se misturavam numa doce metade em meio a nós.

Novamente implorei ao sonho que não se afastasse de mim... E forcei meu corpo a continuar dormindo e ele temporariamente obedeceu-me.  

E, então, eu fui sentindo tua visita, teu passar de pernas, teu colher de braços, teus abraços repletos de bem mais que bem querer.

Triste foi perceber que, por mais que eu implorasse, o sono ia se afastando de meu corpo sedento de mais sonho, de mais você, de mais verdade (nossa verdade que agora repousa na distância que ainda nos mantém próximos).

E o sonho saiu de mim... Despediu-se devagar, me deixando aos poucos, e, o sofrimento se fez presente porque eu queria que o sonho recomeçasse, voltasse para mim e continuasse do ponto em que parou ou começasse tudo outra vez.  

Isso era o que eu queria, era o que eu queria e desejava, mas não teve jeito, não teve apelo, não tiveram palavras, não existiram súplicas, nem ‘espera mais um pouquinho’ ...  - nada mais era ouvido pelo sono -.

Então, o corpo acordou, se despediu do sono, e, o sono se afastou do sonho, e, o sonho ficou, ainda por horas, projetado em mim... Mesmo sem mais estar em mim ele continuava em mim... Era estranho, mas eu consegui manter o sonho sem que o sono estivesse em meu corpo! 
 
Meu sonho teve pena de mim e se recusou a sair de mim de maneira abrupta e, por isso, demorei a sentir, a perceber, a entender que: O sono havia deixado o sonho, o sonho havia se afastado do meu corpo, e, meu corpo sem sono e sem sonho havia ficado órfão de ti, dispido de mim, ausente de nós, ali sozinho em metade em meio a saudades, lembranças que alcançam o sentido de ti.

O dia, então, se passou em meias metades entre tantos meios: Meio triste, meio alegre, meio amargo, meio doce, meio loucura, meio sereno, e, nesse emaranhado de ‘meios em meios’, uma meia parte de mim se foi junto com o sonho procurar por onde andamos nós dois, e, a meia outra parte de mim se foi para a varanda, olhar passarinhos, descobrir seus ninhos, pedir ao tempo da manhã que chegasse o tempo da tarde, pedir ao tempo da tarde que trouxesse o tempo da noite...

E quando o tempo da noite chegou, notei um matiz diferente no estrelado... Encantei-me com o sinal e me pus a olhar para os muitos céus agradecendo a oportunidade silenciosa e ousada que tive de tê-lo mais uma vez tão em meio a mim, tão em mim inteira, na meia metade em que pudemos compor nós dois em um.