Monológo Harpa (Cena nº 29)
Agora são 18 horas e o tempo não me ver passar como eu o vejo. Porque será que presto tanta atenção no tempo? Às vezes, penso, que poderia não existir relógios, nem tempos de ontem, de agora, de amanhã...
Isso, de pensar sempre no tempo, causa agonia e transborda angústias... O tempo é soberano e nós somos apenas criaturas que sonhamos com o ‘alado’ que nos transportará para tempo de ontem (saudade) ou para tempos de amanhã (esperança), sem perder a leveza da alma, o fascínio 'devir' .
É o tempo de agora que me mostra que sou uma alma em busca de um corpo ou um corpo em busca de uma alma. Algo em mim está perdido e talvez exista uma briga entre tempos, contratempos de desejos! Não sei bem o que é nem quando aconteceu essa perda! Mas não posso deixar de sentir que perde-se é importante! Para que necessitamos tanto de achados sistemáticos que revelam a constância mentirosa da inconstância verdadeira que somos nós?
O vazio serve para lembrar que algo acabou. Acabou porque tudo tem um fim – que óbvio mal-dito ou bem-dito! Que bom pensar no fim porque somente ele é sinônimo de algo começou! E se começou foi para cumprir um tempo que nem o tempo quis saber medir! O fim é o principio de tudo e de um nada sem nome, indefinido, volátil, versátil, sonoro, eterno! Que vale! Sempre vale!
E porque o fim teve que ser agora? Perguntei-me pensativa! A resposta não veio e nunca virá! O tempo dirá se era preciso! Cecília (Meireles) me disse certa vez que: ‘é preciso deixar-se cortar para se fazer inteira’. Ela tem razão e é necessário viver o corte do tempo absoluto que tanto queremos! Somente esse corte será capaz de um levar ao relativo eterno das coisas.
A alma apodrece quando não acorda todas as manhãs e fica a espera de um tempo que passado, ainda, escurece o presente. As manhãs nunca nascem quando as noites não são prósperas de vidas, desejos acesos em faíscas do querer. Há de chegar o tempo em que a alma acordará para o agora, as manhãs anunciarão primaveras...
Na primavera o florescer grita, grita igual às gaivotas... E o grito anuncia o belo e o frágil, o justo e o forte nas paisagens visitadas em sinômino de procuras... E, nas procuras, eu também estou, florescendo-me no livre balanço da dança dos pólens.
E, voltando as gaivotas, o tempo passa por elas ou elas sobrevoam o tempo? Não existe limite, existe um ser que vive e procria, alimenta e se alimenta, reinventa o vôo livre e perfeito! Ali esta a expressão do próprio devir ‘um vir a ser’ infinitamente fecundo e amparado em buscas!
Quero ser uma gaivota! Abusar do tempo sem sentir que ele passa, encontrar-me em céus onde existam em formas de brisas, expressões de 'um talvez', 'um até logo', 'um até mais tarde', 'um volto logo'... Um algo que me pulse, recupere em mim uma liberdade para pensar em vôos.
Quero ser uma gaivota! Infinitamente me renovar a cada vôo livre. E, quando pousar no mais alto-chão, admirar o infinito com olhos de quem sabe sentir o mar... E, sentido-o, lembrar-me, amavelmente, do amor que o tempo marca em saudade, e, possibilitar-me, suavemente, uma distância repleta de paz em que o tempo seja um amigo, não um algoz (um retrocesso)!