1 de março de 2011

Distância

                                                                                                                         (Monólogo Harpa, Cena nº 8)


Hoje, parte do dia, foi dedicada a projetos, reuniões e ajustes de trabalho. A outra parte foi convidada a parar um pouquinho para dar continuidade a leitura do livro “A Cidade de Deus – contra os pagãos” (Santo Agostinho).
E lá no Capítulo V – está escrito: “Não devem ser imaginados infinitos espaços de tempo nem de lugares antes do mundo”. A leitura me fez refletir uma série de coisas, inclusive acordou muitas adormecidas em mim.
Depois de muito refletir (chegando mesmo a meditar), deparei-me com algo meu... Um conteúdo marcado por um sentimento que pensei não morar mais em mim... Que engano: As coisas sempre estão ali, naquele lugar que deixamos! Assim também são os sentimentos que trazemos no íntimo, estão sempre ali à espera que nós os visitemos e, em visita, parece que querem tomar conta de nós e nos habitar.
Foi pensando no tempo infinito e inimaginado que me lembrei de você e de nossa parca convivência. Santo Agostinho nem sabe, jamais também poderá imaginar, mas ele me fez acordar reflexões que foram para outro caminho – não o caminho proposto a partir dele e de seus escritos, mas, sobretudo, o caminho proposto por mim, aquele que parte de mim e nem sempre sabe onde vai chegar, posto que sou uma andarilha, uma viajante que transita pelo inesperado!
As reflexões as quais me refiro têm relação estreita não apenas com as palavras tempo, infinito, imaginação ou inimaginável, mas têm relação íntima comigo e com o que esperei de nós! Nossa como eu esperei de nós... Esperei tanto que hoje sinto que o tempo foi todo perdido, não enquanto eu pensava, mas enquanto você passava.
Você passava é verdade... Passava talvez como um passado no presente de meu futuro... Seu tempo não se assemelhou ao meu e por isso passamos separados – porque nunca estivemos juntos como eu infinitamente imaginava. E a minha imaginação ia muito longe...Ia para além do infinito! 

Se eu olhava uma estrela, pensava em você; se eu ouvisse uma música - principalmente uma do Andrea, o Bocelli -, lembrava de você; se eu depurasse uma cena na novela ou no filme de amor, sonhava você comigo em um nós tão próximo que imaginava um cenário de Vida e Entrega no qual nós dois éramos os protagonistas do saber, do fazer e do desejo que propiciava todas as coisas.
Eu desejei tantas coisas com você... Desejava sua boca mais que a um sorvete em dia de calor, desejava suas mãos mais que as minhas próprias, e, teu colo eu desejei tanto que cheguei a propor a mim indescritíveis conversas em sonhos que não tinham fim... Foi por isso que caí em tristeza e em quase desgraça.
Nosso tempo era tão diferente... Eram tão infinitamente distantes os desejos e a imaginação... Bem, os desejos ficavam sempre por minha conta e a imaginação ficava sempre por meu risco... Você ocupado demais com seus vícios não tinha tempo para desejar nós dois nem imaginar construir uma imagem nossa que revelasse o que de melhor poderíamos ter: Uma coragem louca e feliz de sermos nós, e, uma vez sendo-nos iríamos nos completar a partir de nossas diferenças.
Foi a visualização de tamanha distância que me trouxe a ânsia de vomitá-lo. Colocá-lo para fora de mim era então, a partir deste tempo de agora, o meu maior desejo! Que coisa Meu Deus: Se no dia em que nos beijamos pela primeira vez, você tomou pelo meu corpo caminhos tão diferentes, hoje nesse tempo que nasce em mim de maneira urgente, você já não faz mais falta, morreu, acabou e encontra-se enterrado para meu tempo futuro.
Amanhã é outro hoje do qual você não fará mais parte... Inimaginável pensar em você junto a mim, infinito é pensar e sentir que tomei a melhor decisão de minha vida: Deixar distante aquele que nunca esteve próximo e deixar-me aberta para receber o próximo que se aproxima e faz deste ato um tempo merecedor de ser chamado de ‘milagroso’, porém, ainda que milagroso, estará repleto de quereres, sabores e sofrimentos novos (porque é sempre assim!)
Afinal, como diz Santo Agostinho: "Milagres não são contrários à natureza, mas apenas contrários ao que entendemos sobre a natureza". É... Milagres, contrários, natureza... Natureza humana... Que humano cabe em mim? E o quanto de humano há em você? Como milagrar flores em mundos tão diversos, tão contrários que nem mesmo o ‘contrário’ serve para complemento? 
E, ainda, diz ele, o Agostinho: “A verdadeira medida do amor é não ter medida". Amor, medida, sem medida. Qual será a não-medida que serve e comporta o amor? É possível a medida do eterno quando nos falta a ternura? Seu tempo sempre terminava antes de começar... Meu tempo e seu tempo em infinitos conflitos que findaram-nos

Eu começava o tempo imaginando o não-fim como se isso pudesse ser possível a você... Eu possibilitava o impossível, não impunha o sensível, mas buscava sensibilizar-nos... Era por isso que infinitava o tempo, não trazia medidas e queria eternizar o milagre daquele estar-junto!
Foi o tempo que dediquei a você que me levou a medir o meu próprio tempo, um tempo absoluto em mim enquanto ser-que-sou, e, relativo em mim enquanto ser-que-estou-sendo. Foi neste instante que percebi o quanto eu poderia ser por mim, dar a mim, fazer por mim...
E, então, me senti abençoada com um milagre que recebi: Compreendi que o tempo é infinito para o que vale a pena; percebi que flores não nascem só porque lançamos sementes ao chão; reconheci que não mais queria você e senti que sua falta não me fazia falta, e, entendi que o que eu sentia não era amor, mas, sim, um calor que se sente em tempos em que a chuva não vem.
Agora chove! Voltei a florir!
Que Alívio!    

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