6 de abril de 2011

Jantar

                                                              (Monólogo Harpa, Cena nº 20)

Estava arrumando as gavetas e encontrei uma caixinha repleta de cartas de amor.
Lembrei-me, então, de um tempo bom que não volta, não volta mais (agora estou em lágrimas). Como é belo saber o que já viveu e como é triste saber que não tem mais volta. Não adianta tentar corrigir, pedir para voltar, forçar recomeço daquilo que as nossas almas já não mais compactuam posto que não mais estão juntas!
No entanto, (agora enxugo meus olhos), estou ainda a pensar em você e em tudo o que já vivemos. Como é bom recordar, relembrar, refazer caminhos já vividos! Alguém já disse que recordar é viver! É um consolo, mais tudo bem! O que seria de nós se isso também não nos fosse mais possível?
De repente entardeceu e eu notei o tempo mudando quando olhei a brisa chegando pela janela da sala de jantar. Imaginei nós dois ali e lembrei das loucuras que fazíamos. Nossa se aquele tapete falasse! (agora sorriu). E se as taças de vinho tivessem olhos e nos vissem com aqueles chamegos intermináveis (agora choro!)
Que saudade eu sinto dos teus braços sobre meu corpo, da tua língua passando por mim, dos teus beijos inteiros com fome e sede de nós dois! E de tuas palavras metade meiguice e metade pimenta que eu adorava ouvir em sussurro.
Então senti vontade de preparar um jantarzinho. Fui para cozinha, levantei tudo que pude nos armários e na geladeira, fiz uma deliciosa comida (empanado de frango, batatas souté, arroz à grega, salada simples) e achei tudo bem feito e maravilhoso!
E então comecei a preparar a mesa. Escolhi a mais bela toalha, separei os pratos, arrumei os talheres, organizei os guardanapos, coloquei as taças para vinho e água, dispus um arranjo floral, deixei a música encantar o ambiente e pus um meio tom à meia luz!
Em seguida, tomei o mais belo banho de minha vida, tomei o sabonete como se fosse tua língua, sequei meu corpo com cuidado e carinho, perfumei-me por inteiro mais não muito para não confundi você, vesti um belo vestido aquele que me deixa estonteante (muito fácil de tirar, inclusive), coloquei aquele batom vermelho que adoro, arrumei meus cabelos dando-lhes um aspecto desarrumado, charmoso!
A música já tomava toda a casa, a bela mesa era mesmo um convite para jantar, eu era um convite para loucura! Eu tinha ali a minha disposição: A música, a mesa, a mim mesma, mas, não tinha você... Faltava você (um pedaço importante de mim); faltava nossa cama (um todo revelador e enigmático) e faltávamos nós dois e nossos corpos conversando! Então faltava tudo?!
Sentir isso me causou uma dor! Uma dor difícil, insuportável! Chorei muito, me torci de tristeza e me contorci de angústia! Sentei-me no chão e me vi sozinha em meio a minha ilusão. Minha ilusão, minha companhia traiçoeira! De repente, eu ouvi você falar comigo: ‘Amor, minha linda, tenta retomar tua vida, sai dessa solidão que te aflige, conforta teu corpo, não envelhece a alma, não se deixa morrer!’
Fiquei algumas horas meditando. Levantei-me devagar, fui em direção a mesa, jantei degustando, tomei o vinho que pus nas duas taças, e, assim tomei um pouco de você para mim!
Ao final da noite resolvi chegar à porta da sala e vi minha sombra. Pensei então: ‘Eu não estou sozinha. Minha sombra é parte de mim, minha única companhia agora! Preciso me fortalecer, para deixar o amor chegar, para deixar outro amor chegar... Também não quero que venha depressa, afoito, atropelando a vida! Quero que venha inteiro, sem medo de amar, sem medo de sentir, sem frescuras e sem clausuras, sem amarras e com vontade!’
Agora já posso ouvir calmamente todas as músicas, e, quando o sono chegar será preciso dormir em paz. Será preciso achar a paz no vulcão que me encontro. Será preciso pertencer-me, não mais me perder e se me perder que seja para encontrar esperanças! Cai, então, agora, a penúltima lágrima e a última pétala do floral que dispus à mesa!                     


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