(Monólogo Harpa, Cena nº 4)
Ontem era dia de faxina. Levantei cedo, junto com o sol, para pôr em ordem as roupas dentro daquele guarda roupa que compramos quando ainda éramos noivos.
Ontem era dia de faxina. Levantei cedo, junto com o sol, para pôr em ordem as roupas dentro daquele guarda roupa que compramos quando ainda éramos noivos.
Animadamente, abrir portas e gavetas e olhei prateleira a prateleira... Retirei as peças e comecei a ajeitar os cabides... De repente eis que me deparo com um vazio de doer. Suas peças não estavam mais lá, não mais faziam parte daquele cenário.
Pus-me a lembrar que eu arrumava tudo tão direitinho... Era tudo separado por cores, tamanhos, modelos e finalidades... Ainda posso ver os lenços dentro das caixinhas perfumadas, os cintos enfileirados para não deformar, as peças íntimas dobradas com amor e cheiro de alfazema, as camisas vermelhas junto das verdes, e, as brancas junto das azuis para não manchar, as calças bem vincadas também eram separadas em dois grupos – o das calças para passear e o das calças para trabalhar...
Voltei, depois de muito esforço, para arrumar as minhas peças já sabendo que não teria mais seu paletó para se misturar ao meu vestido... Levei grande tempo, na verdade uma eternidade de além-mar, para colocar tudo em ordem... Nossa, como aquele infinito me levou a um quase afogamento!
Cada peça que eu dobrava parecia ter uma história para me contar. E fui lembrando aos poucos de cada passagem que tivemos, cada mala que arrumamos para viagens com direito somente a passagem de ida... Íamos tão felizes, tão donos de nós, tão certos que tínhamos um ao outro.
O problema se instaurou quando marcamos a passagem de volta. Na volta, voltamos juntos, porém, separados... Já não nos tocávamos mais, não nos procurávamos nos olhares que aquela altura já olhavam outras paisagens... E então, chegamos a nossa casa, sem chegarmos mais para nós dois. -Um tempo desperdiçado por bobagens que só a convivência é capaz de produzir-.
Em meio a cabides, gavetas e prateleiras fui revendo nossa história e visitando a lembrança que tenho de você. Quando acabei a arrumação, estava exausta com uma dor no corpo que escorregava para alma, me senti em cachoeiras mergulhando meus olhos em torrentes saudades...
Depois tomei um banho demorado e ainda de toalhas me deitei para dormir... E ‘Pedi a Deus’ para não me acordar tão cedo, porque eu precisava esquecer aquela estrada e memória ainda plantadas em mim de maneira tão intensa que pensei em não agüentar tamanho peso sobre minhas pálpebras.
E Deus, atendeu meu pedido e não me acordou do sono, contudo me acordou para vida quando no sonho deste sono disse-me:
‘‘Está tudo arrumado nesta casa, arrume uma colina para subir, um horizonte para admirar, um por do sol para vê o milagre que clareia espaços do mar, uma estrela para guiar-te ao infinito’’.
Acordei de súbito e construí uma consciência de mim como jamais pensei que pudesse, quando me coloquei em outra parte de meu sonho, dizendo-me:
"Arrume-se e saia de casa, procure-se e encontre-se, e, não se esqueça de ocupar o lado vazio do guarda roupa, ocupar o vazio com tuas coisas, sentindo-se dona dos espaços que antes estavam ocupados pelo outro’’.
Levantei-me e pus-me em direção ao espelho, mirando cada linha do meu rosto ainda jovem que o tempo não precisa esconder, e, continuei buscando forças para dizer-me:
"Saia por aí linda e livre e se presenteei com sua própria presença, alugue um filme e compre guloseimas para comer enquanto assisti-o, compre um vestido bonito e um sapato vermelho intenso, telefone para um amigo querido e marque um tempo de conversa, embeleze-se por fora e embeleze-se por dentro, ocupando você com você e veja que você é a única pessoa que pode gestar, parir, nutrir e orar por você!’’
"Saia por aí linda e livre e se presenteei com sua própria presença, alugue um filme e compre guloseimas para comer enquanto assisti-o, compre um vestido bonito e um sapato vermelho intenso, telefone para um amigo querido e marque um tempo de conversa, embeleze-se por fora e embeleze-se por dentro, ocupando você com você e veja que você é a única pessoa que pode gestar, parir, nutrir e orar por você!’’
Olhei para o vaso com flores que estava enfeitando a mesinha de cabeceira, tomei uma das rosas em minhas mãos e, por um instante, admirei a vida de cada uma delas: Sempre tão lindas, tão perfumosas, mesmo quando estão apenas em pétalas, ainda são rosas, não perdem a essência de ser porque são! E então, decidida, continuei a dizer-me:
"Tome seu destino em suas mãos e dê rumo a sua vida, preparando-se para outras estradas, atalhos de chegada e certezas de partida, posto que, é sempre tempo para ser você, ser rosa e arrumar-se em lugares nos quais os milagres sempre acontecem!’’.
Depois disso, levantei-me e abrir as pesadas janelas!
Como são belas as crianças brincando de esconde-esconde!
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