(Monólogo Harpa, Cena nº 14)
É... Hoje à tarde, quando o tempo deixou-me respirar, coloquei-me a reler a Lingüística de Ferdinand de Saussure. Foi bom rever os conceitos do ‘signo’. E tem dois conceitos que me chamam a reflexão:
O primeiro, relaciona-se a ‘ideias artificiais porque são criadas especialmente para a comunicação’, o segundo, afirma que ‘trata-se de representação no sentido de que substituem o objeto a conhecer, apresentando-o aos indivíduos’.
Pois bem... No primeiro, posso teorizar a concretude que é você ou que você teima em apresentar para mim. Falar de você é falar de uma artificialidade ímpar. Mesmo assim, claro, comunica. Comunica o que o coração não quer saber, o que os olhos se recusam a ver, o que os ouvidos se escondem para não ouvir.
O segundo conceito é que me chama mais a atenção. ‘Representação’, ‘Substituição’, ‘Objeto’, ‘Conhecer’ e ‘Apresentação’. Em cada categoria dessa, fui aos poucos, vendo um todo que não se fecha, não se acaba, mas se constitui naquilo que eu sei, mas que não gosto de saber sobre você e por isso nego a todo instante a sua existência.
Mas, não posso agora mais negar... Nossa como você está em tudo isto!
Representa um ser que não se apresenta na enunciação; Substitui a mentira por verdade numa naturalidade sobrenatural; Objetiva-se e, por isso, não subjetiva e ab-jeta o sujeito próximo de ti; Conhece a marca profunda do ser que para mim não-é, e, uma vez não-sendo, não deixa-se ser... Apresenta-se como uma farsa, uma inteligência que serve apenas a você e a seu mundo cheio de traça.
Quais pecados em cometi para merecer alguém assim?... Um ‘ninguém’ que não deve atender nem pelo pré-nome de Zé (o Zé Ninguém) posto que Zé é alguém... Um alguém que se lança a vida não como ‘lança’, mas como ‘caça’ e sendo caçador invade a vida e vive-a, plenamente!
Hoje, quando lembro de ti... Ah! Hoje quando lembro de ti ...
O que vejo é o signo de:
um rosto metade que não olha de frente, não encara, não examina a elegância das madrugadas...
um olho sem ‘menina’ que arbitrariamente esconde o que olha para propor julgamentos insanos, covardes...
uma boca sem céu, aberta apenas para proferir reticências, negatividades, palavras sem cor que vivem ao sabor do calor da intolerância, do preconceito, do estereótipo e de angustiantes profecias.
uma língua que preferiu morrer a míngua que servir-se de meu corpo, posto que, ‘corpo’ é apenas um signo, uma palavra do dicionário que não tem valor de comunicação porque sempre foi prezada para compor teu vocabulário, e, desprezada para re-significar nossa história.
F. de Saussurre, diz que: “O signo é sistemático porque não funciona isoladamente” Mas, você, contraria o pensamento do autor... Você acha que se basta, que se complementa, que se acentua, que se evidencia apenas porque chega, e, chegar já te conforta!
O que você não sabe é que o que mais chama atenção em você não é o teu ‘chegar’ porque nada denota de novo, de bem, de belo, de justo, mas sim, as tuas pragas, jogadas no celeiro de teu pragmatismo, isto que te torna anti-social, não-querido, não-aceito, desprezível e revela a expressão do que desejas ocultar!
Por isso, amado, minhas últimas palavras a você, serão estas:
/amado, signo solitário, que aqui não é o que parece ser/
Não o aceito mais como meu signo, meu céu não assume você, estrelas não te contornam mais...
Não aceito mais suas condições de não deixar-me ser, e, de querer anular-me em toda constelação.
Você chegou como promessa e em promessa continuou, teu tempo passou e agora nego a visão que tenho de ti, mas não posso negar a percepção.
A percepção está aqui comigo e tenho conseguido não revelá-la a mais ninguém. Quando alguém me pergunta por ti, desconverso, não tenho versos para cantar-te, falta-me um signo, uma palavra que possa acentuá-lo em minha vida, sobra-me o dissolúvel sentido de estar contigo...
Eu sou um signo que vivo sem ti... Tu és um signo que ‘acho eu’ sobrevive sem mim... Não (sobre)vivemos quando estávamos juntos... Somos palavras ocas, não sentimos o estado do verbo, faltou-nos a ação que nos daria alma, trouxemos o significado da ausência, e, em doses homeopáticas nos presentiamos com a felicidade que se chama finitude!
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