(Monólogo Harpa, Cena nº 16)
Se eu pudesse sairia agora à procura de ti, te tomaria em um atalho qualquer e cantaria alguns segredos em teu ouvido.
Se eu pudesse sairia agora à procura de ti, te tomaria em um atalho qualquer e cantaria alguns segredos em teu ouvido.
Nem sei se você iria querer ouvi-los... Nem sei... Nem sei... Tenho dúvida desse querer... Mas quando eu começasse a falar, você pararia para ouvir... Eu sei... Eu sei... Tenho certeza desse fazer... Pararia senão por mim, apenas... Pela história que nos uniu e nos unirá por toda saudade!
Que homem, que homem, amor de minha vida, não pararia com cautela, para ouvir o que tenho tão docemente para dizer-lhe? Tenho palavras que são eternas, que têm um gosto de ‘para-sempre’, têm um gosto de nós dois...
São versinhos que fiz na tarde de algum dia bom, quando o nosso bom-dia foi rechedao de uvas e beijos gostosos, quando nosso amor contemplava a vida que passava pela janela e imagina flores e crianças chegando as nossas vidas!
Eu não quis rasgar os versinhos quando você foi embora... Eu os coloquei em uma gaveta... Uma gaveta dura, difícil de abrir, mas que reserva um pedacinho do que um dia fomos – eu e você!
Agora não tem ninguém em casa... Todos saíram para seus fazeres diários... Eu estou sozinha e assim posso pensar em ti, sem me preocupar com os olhares de mais ninguém sobre meus secretos pensamentos...
Então, peguei o bilhetinho, aquele que eu fiz e colei na porta da geladeira, lembra? Nele está escrito com uma letrinha tão cheia de voltinhas e florzinhas por todos os cantos que:
“Você é minha vida, minha pessoa querida, a quem quero tanto bem, um bem que me melhora a alma, me faz ser melhor que ontem, me faz dormir ainda acordada, me faz acreditar que somos possíveis, que nascemos um para o outro, que nosso laço nos enlaça, nos renasce, nos acolhe e nos faz repousar em nós mesmos”.
E eu concluo o bilhetinho com aquela música linda que diz:
“Não se admire se um dia um beija flor invadir a porta da tua casa te der um beijo e partir... Foi eu quem mandou o beijo só pra matar meu desejo, faz tempo que não te vejo, ai que saudade de ti”.
Agora choro... Tão baixinho que somente eu posso ouvir... Cai a lágrima que se chama ‘saudade’... Cai a lágrima que se chama ‘solidão’... Saudade e solidão eu sinto agora amor.
Saudade do que fomos ontem – um presente do passado; do que o agora nos tirou de repente, arrancando o presente que o presente poderia ter, e, do que não seremos no futuro posto que futuro é tempo para quem teve presente, não distante, não ausente, não coberto do ‘sem-nós’...
Eu odeio pensar no tempo... No tempo que se chama de ‘ontem’ - tempo em que eu tinha você e nós tínhamos a nós... No tempo que se diz ‘presente’ - tempo onde o presente não se sente, se esconde e se comove com a saudade do passado. No tempo que se deseja ‘futuro’ - qual futuro, qual futuro ainda resta para nós?...
Eu só tenho o passado e a ele eu recorro toda vez que quero encontrar a ti... O meu passado da-me voce de presente nesse presente que não mais recebi. Você está no meu passado, minha lembrança mapeia você em meu presente e meu futuro chora a ausente presença de ti. Dá para imaginar o tamanho do dor que em mim repousa?
E a solidão... Você não sabe o que é isso! Também não quero que saiba, nunca, jamais... Não te desejo sentir o que sinto: Uma dor corrosiva que parece me destruir, me tirar de mim, me ausentar de tudo - já não vejo a chegada das tardes e não me comove os cantos dos pássaros.
Minha alma parece sair do corpo procurando outro corpo em que possa repousar só para ver se tem algum descanso do cansaço que lhe dou quando a solidão me invade sem pedir licença!
“Ah... Se me bastasse...
-a luz, eu olharia o céu, contaria estrelas, presenteava você...
-a água, eu me faria cachoeira, me transformava em véu, acolhia meu corpo sedento de nós!
- O sol, não brincaria com o fogo que tem meu corpo quando meus pensamentos vão até você!
- A lua, não me tomaria por faces posto que minhas faces todas são conhecidas por ti!
- A alma, não precisaria de nada, uma vez que tudo que hoje exalo é reflexo do seu plantio para me colher quem sou!
- A sombra, não acolhia nenhum outro corpo porque já existia um corpo intercalado ao meu – o teu, amor-!
- A alegria, ela seria tão plena, que não sairia de mim, não me largaria ao sabor de uma nuvem de folhagens ao dissabor dos ventos tardios!
E as primaveras, se me bastassem as primaveras, pensaria outra vez na leveza que tem meu ser-mulher quando floresce ao lado do teu mistério que me refaz de intensa procura!
E os invernos, se me bastassem, quando chegassem, me colocaria aos pés do pôr sol, para abastecer-me de ti, tua presença, que me sintoniza com a vida”...
Mas olha amor, eu estou aqui, eu estou aqui no lugar em que você me deixou, e, desde que você foi embora, vivo sem me bastar, me arrastando para ir a seu encontro, sonhando com a chegada de um abraço em que me bastassem seus braços para abastecer minha vida!
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